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segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Moralidade e compostura

3 Hélio Duque
"Estamos no período hilariante dos grandes homens-pulhas, dos pachecos empavesados e dos acácios triunfantes. Nunca se berrou tão convictamente tanta asneira sob o sol". Há 100 anos, Euclides da Cunha, escritor insuperável de Os Sertões, obra prima da literatura brasileira, retratava os primeiros anos da República. Imaginem se aquele brasileiro vivesse, nesse tempo de realidade política, onde a doutrina se fundamenta na truculência, corrupção, chantagens, fisiologismo e patrimonialismo. A ética pública foi sepultada pela ação de um grupo de políticos retrógrados.
A crise que tem o Senado no seu epicentro, diferentemente do entendimento de equivocados especialistas, nada tem de institucional. É uma crise de moralidade e compostura pública. Daí a indignação dos brasileiros esclarecidos que nela enxerga a apropriação de bens públicos em benefício de "velhas e novas oligarquias". É o privado adonando-se do que é público e os seus beneficiados sentindo-se merecedores, por antiguidade e mérito, do assalto praticado. Acham que não executam nenhuma ação ilegal, ao contrário, sofismam e partem para interpretar que agem numa cultura de absoluta legalidade.
Nos últimos anos, o neopatrimonialismo ganhou dinâmica própria, criando novo mundo de benefícios, mordomias e privilégios. Os escândalos e desvios de conduta de agentes públicos, em todos os níveis, vêm marcando a vida política brasileira nesse início de século XXI. E um exemplo: a farsa patética montada no Conselho de Ética e Decoro do Senado. Atentem bem, é o órgão máximo de defesa da ética e decoro. Confundido como "Conselho Aético e Indecoroso", dirigido por um ancião que ao longo da sua vida parlamentar de oito mandatos de deputado estadual, foi o cão de guarda de todos os governos da Guanabara e do estado do Rio de Janeiro. Foi getulista, lacerdista, limista, chaguista, brizolista, marcelista, garotinista e cabralista. Numa penada, em duas etapas, arquivou todas as denúncias existentes contra José Sarney.
O condestável maranhenseamapaense, sabendo dos fatos que o envolvem em um Oceano Atlântico de denúncias, acionou a artilharia farsante e fez de Paulo Duque o seu presidente. O massacre à ética não ficou adstrita ao "Conselho Aético". No plenário e na ação intimidatória, fez do senador Renan Calheiros, líder do PMDB, o comandante de uma milícia, apelidada de tropa de choque, para ameaçar, intimidar e agredir a honra de figuras honradas da oposição. Conheço Renan, fui seu colega por dois mandatos na Câmara dos Deputados. A valentia que alardeia é pura pirotecnia. Até porque carrega pecados capitais e em função disso foi obrigado a renunciar à presidência do Senado para não ter o mandato cassado. A sua valentia política decorre do apoio e estimulo que recebe do governo chefiado por Luiz Inácio Lula da Silva. É preciso desmascarar essa ópera bufa que está jogando a imagem do Senado na sarjeta, na falta de compostura e em um baixo nível que envergonha a própria vergonha. O Brasil não pode aceitar que na sua Câmara Alta, os palavrões, insultos, falta de ética e moral constitua fatos normais na atividade legislativa.
Na Inglaterra, há poucos meses, o presidente da Câmara dos Comuns, há 10 anos no cargo, por vontade própria renunciou. Abandonando a política que há 30 anos exercia em mandatos sucessivos. A razão? Pessoalmente, não tinha nenhum envolvimento, direto ou indireto, nas denúncias publicadas pela imprensa londrina do desvio de recursos públicos para objetivos privados executados por vários deputados. Os parlamentares flagrados pelas ilicitudes, foram expulsos da vida pública pela pressão da sociedade. E o presidente do parlamento que não tinha nenhum envolvimento nas ilegalidades, se considerou responsável por não ter punido no tempo certo os desvios éticos dos envolvidos. A ética pública, a decência e a sua dignidade de homem não deixavam outra alternativa.
Já, por aqui, onde a ética, a moral, a dignidade de determinados homens públicos tem valor relativo, o cenário é oposto. Flagrados em atos lesivos ao patrimônio público, estes "sepulcros caiados" partem para, em um primeiro momento, afirmarem que são vitimas de perseguição. E, em um segundo instante, tentando encurralar os denunciantes, com ameaças de tipos variados. E a imprensa passa a ser vitima preferida, usando muitas vezes o Poder Judiciário.
É muito triste o que vem ocorrendo no espetáculo surreal de uma crise de valores sem precedentes. Ainda agora, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), através o seu presidente nacional, César Britto, defende a renúncia dos 81 senadores para salvar a instituição. Afirmando em O Estado de S. Paulo (8/8/2009): "A crise não se resume ao presidente da Casa (José Sarney), embora o ponha em destaque, mas é de toda a instituição e envolve acusados e acusadores. O Senado não pode ser confundido com os que mancham o seu nome. Precisa ser preservado, pois é o pilar do equilíbrio federativo." E assesta a sua fala contra a oposição: "Não se busca correção ética dos desvios, mais oportunidade política de desforra e de capitalização da indignação pública." Como diria o "funk" das favelas cariocas: "Tá tudo dominado."
E lembrar o papel fundamental que teve a OAB na redemocratização do Brasil. O saudoso presidente Raimundo Faoro e outros notáveis dirigentes do órgão máximo dos advogados brasileiros devem, no mundo extratemporal, estarem desolados. E nessa rememoração do passado de resistência democrática transcrevo o querido amigo jornalista Jorge Bastos Moreno, em O Globo (8/8/2009), por título Os que pagaram por defender o Senado: "Há 32 anos, o então líder do MDB na Câmara, Alencar Furtado, foi cassado por, entre outras pérolas de um brilhante discurso ter advertido: Na cadeira de Rui (Barbosa), não pode sentar-se um picareta da República! Na cadeira de Rui, senta-se um Paulo Brossard, um Marcos Freire, um Teotônio Vilela, que, dentre tantos outros, dignificam e honram o parlamento brasileiro. Se, já naquela época Furtado exclamava nesse discurso "O Temporas! O Mores!'. O que nos resta dizer hoje, quando assistimos a cenas como as desta semana?"

Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foi deputado federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.

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