Roosewelt Pinheiro/Agência Brasil
O ex-presidente Fernando Collor. Retorno com fôlego ao Senado
João Carlos Teixeira Gomes
Do Rio de JaneiroO título do meu artigo não foi tomado de Molière, como parece. Ele se inspirou em Enrique N'Haux, um jornalista argentino "pena de aço", como só conheço outro no Brasil. Em seu romance "Maquiavelo no conoció a los argentinos" (Maquiavel não conheceu os argentinos), ele escreveu: "Existirá en la Argentina algun honesto que al hacer un balance de su vida no se haya arrepentido de hacerlo sido?" (Existirá na Argentina alguém honesto que ao fazer uma revisão da sua vida, não se tenha arrependido de o ter sido?). Quase poderíamos pensar que Enrique N'Haux estava pensando também no Brasil quando escreveu essas palavras.
Um pouco adiante, ele evoca a letra de um tango, que diz: "Creíste en la moral y en la honradez? Que estupidez!" (Acreditaste na moral e na honra? Que estupidez!). Depois de citar a visão que Maquiavel tinha dos políticos, N´Haux acrescenta: "En la Argentina no puede haver governabilidad, ni estabilidad monetaria, ni inversión estrangera, sin governantes corruptos que refleten la idiosincrasia criolla" (Na Argentina não pode haver governabilidade, nem estabilidade monetária ou investimentos estrangeiros, sem governantes corruptos que refletem a mentalidade local).
As palavras do argentino alcançam nossa realidade. Comentávamos outro dia eu e o escritor João Ubaldo Ribeiro, em nossos almoços semanais, o desconforto que nos causa, no exercício do jornalismo, ter de viver apontando em nossos artigos as mazelas políticas da vida nacional, com a assombrosa legião de corruptos e oportunistas, que só faz crescer. Não agimos assim por prazer, mas impelidos inclusive pela passividade do povo brasileiro, que fala mal dos políticos nos bares, mas não age consistentemente pelo voto e pela conduta cidadã, para mudar esse estado de coisas.
A vida pública já deveria estar munida de mecanismos eficazes de depuração, que impedissem o retorno à atividade política de elementos que, tendo perdido a credibilidade pelo notório envolvimento em atos desonestos, não mais inspirassem confiança à sociedade, em virtude de seus enlameados currículos.
Como não gosto de jogar com abstrações, devo dizer claramente que não é possível conceber que figuras com a folha corrida dos srs. Paulo Maluf e Fernando Collor tenham retornado pelo voto ao cenário nacional, além de numerosos elementos desacreditados, envolvidos em práticas contra o erário e a decência pública, por isso mesmo respondendo a processos. Não posso citar todos eles neste espaço, mas o povo brasileiro bem conhece os sanguessugas da saúde, os anões do orçamento, os ladrões da previdência, os mentores do mensalão e os fraudadores do sistema financeiro, com fotos e nomes recentemente divulgados por uma revista nacional, em reportagem de alentadas páginas. É só conferir.
Toda essa gente costuma beneficiar-se das condescendências do nosso sistema judicial, que, sobretudo na área política, habituou-se a transformar o dever da ação legal contra os transgressores num exercício continuado de compadrios e benevolências. A alegação frequente é de que "não há provas" ou sentenças transitadas em julgado, palavras pomposas que, não raro, acobertam apenas a diluição moral em que mergulhamos.
A impunidade que se alastra pelo Brasil tem efeitos sociais desastrosos, pela agressão que desfere contra o sentimento de cidadania, como também responde pelo constrangimento da moral individual dos cidadãos, pois o triunfo do transgressor afronta e arrefece a nossa noção individual de dignidade. A vitória da corrupção é uma perda moral para cada brasileiro, deprimindo-o como cidadão e como pessoa.
Tal como assinalou o argentino Enrique N'Haux, vivemos também no Brasil uma situação de descalabro ético, antes jamais igualada. E como nos constrange viver insistindo nessas análises, todavia necessárias, encerremos este artigo relembrando apenas, sem comentários, as palavras magistrais de mestre Rui, cada vez mais atuais no Brasil dos nossos dias: "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantar-se os poderes nas mãos dos maus: o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto".
João Carlos Teixeira Gomes é escritor, jornalista e membro da Academia de Letras da Bahia. É autor de "Gregório de Mattos, o Boca de Brasa", "Glauber Rocha, esse vulcão", "Memórias das Trevas" e "Assassinos da Liberdade".
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Se tiver notícias e ou comentários sobre a roubalheiras dos politicos, mande pra mim.
Tudo sobre os corruptos que estão representando o povo Brasileiro em Brasília.